RUMO AO JARDIM
Quando o senhorio apareceu naquele dia de Ano Novo, o corpo entufado,
lembrando o Perú de Natal, que mutilado jazia no frigorífico, adivinhava-se que
a notícia não seria boa.
O contrato de
arrendamento não seria renovado.
– Avisei que não
admitia animais – afirmou com a segurança de ser o detentor da última palavra.
– O que o senhor
disse foi que não podia ter cães, ora eu só tenho gatos. – O argumento de
Hilária era fraco, como os seus pulmões. «A menina não pode ter gatos, tem de se desfazer deles», insistira o médico. «Antes morrer», respondera ela, num tom que não admitia réplica.
– Tem um mês para me devolver a chave, nem mais um dia. – Não havia margem para desculpas. Era uma sentença sem recurso.
Vendo-a distraída e triste, os gatos circundaram-lhe as pernas. A pressão
teimosa das marradinhas e o ronronar cadenciado devolveram-lhe a convicção de
que não havia maravilha maior do que o bem-querer.
– Prevê-se um furacão
para o fim do mês? Pois então, aproveitemos o dia. – Colocou o cachecol,
apertou o casaco, olhou-se ao espelho e voltou atrás para colocar um pouco de
batom. Aprovando o resultado, pegou na mala e decidida desceu os degraus.Partiram os três, rumo ao jardim despido pelo inverno, as sombras refletindo-se no chão, revelando o poder escondido no interior de cada um.
Quita Miguel
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