CONTRATO
Ele deu a mesma explicação,
que os rumores haviam já antecipado, mas Carlota Leovegilda recusava-se a
aceitá-la.
– OK. Não queres acreditar
não acredites. Não tarda nada, vais saber que falo a verdade – declarou Danilo.
Quando a haviam chamado para
incluir a equipa, Carlota achara-se a pessoa mais afortunada da vida. Dera o
seu melhor, superara-se mesmo, e agora Danilo vinha dizer-lhe que não era pelo
trabalho que ela ali estava, que a razão era outra.
– És tão ingénua. – O rapaz
olhava-a com desdém.
– Muito bem, até posso ser
ingénua, mas nada disto faz sentido. Que mais é que ele te disse?
Danilo limitou-se a sorrir,
virar-lhe as costas e sair.
«Imbecil!», teve vontade de
gritar, mas retraiu-se. Arrumou as coisas, dando o dia por terminado, mas apenas
no escritório, porque na sua cabeça o dia colou-se à noite de insónia. Não era
pessoa que se conformasse com uma meia verdade que ressoasse sob os panos,
queria a realidade gritada ao mundo. Afinal, nada tinha a esconder, nunca
tivera vocação para transgressora.
«O ofício de viver é, ao
mesmo tempo, o mais simples e o mais complexo», costumava dizer-lhe a mãe,
quando a pressentia desanimada. «É um eterno aprendizado. É com os erros que limamos
os acertos. Não atingimos a perfeição, mas sempre podemos melhorar.»
Sentiu saudades de casa. Assim
que amanheceu, telefonou à mãe, procurando encontrar nela a pessoa que a
tranquilizaria, e não pôde acreditar, quando ouviu a corroboração da possível existência
de um motivo oculto para a sua contratação:
– Pois pode – dissera a mãe
sem qualquer hesitação.
«Danilo tem razão, Danilo tem
razão», era tudo o que conseguia pensar.
Nessa manhã, entrou pela
porta principal decidida a conhecer a verdade. Pareceu-lhe que cochichavam à
sua passagem, mas isso pouco lhe importava. Hoje a janela seria escancarada e
que ninguém a tentasse dissuadir que ir até ao fim. Bateu com determinação na
porta da direção e aguardou o convite para entrar. Avançou pronta para
discutir, mas o que escutou deixou-a sem argumentos.
– Precisávamos apenas que o
teu pai cedesse. Contigo por perto era mais fácil. Ele sabia que a qualquer
momento te poderia perder.
Queria dizer que ela
correra risco de vida, por causa de um pai que não via há mais de vinte anos e
de quem nada sabia?
– Tu até trabalhas bem –
prosseguiu o diretor –, apercebemo-nos disso ao longo destes meses, mas já não
nos és útil e temos muitos outros que podem realizar o teu trabalho. Talvez não
o façam com tanto profissionalismo, mas fazem-nos com menos pruridos. Danilo! –
chamou.
O lambe-botas entrou, sem
se fazer esperar, e entregou-lhe um envelope, voltando a sair.
– Aqui tens o pagamento do
último mês – disse o diretor. – Acrescentei um bónus, afinal, indiretamente,
fizeste-nos ganhar muito dinheiro.
Carlota Leovegilda teve
vontade de rasgar o cheque e atirar-lhe os pedacinhos à cara, como se vê nos
filmes. Provavelmente era isso que ele esperava, mas tal atitude apenas revelaria
que, para além de ingénua, era burra. Trabalhara sim e muito, merecia bem
qualquer cêntimo que ali estivesse.
Só quando ganhou a rua se
deu conta de que estava desempregada. Espreitou para dentro do envelope. Aquilo
era uma fortuna.
Quem seria aquele pai de
quem lembrava apenas o nome e de quem a mãe se recusava a falar?
Aquele que, para a salvar,
entregara nas mãos de outrem algo tão valioso. Voltou a olhar para o valor do
cheque. Com certeza, seria melhor não saber.
Quita Miguel
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