segunda-feira, 6 de outubro de 2014


A FISGA


— Acertei — gritou Joaquim Claudio, triunfante, enquanto preparava de novo a fisga. — Como prometi, a partir deste momento, tudo o que eu abater é para ti.

– É melhor irmos embora. E se nos apanham?

– Achas mesmo que o velho se dá ao trabalho de vir até aqui? – perguntou o rapaz, fazendo pontaria a mais um alperce.

– JC!

– Que chata! O que foi agora? – Joaquim Claudio virou-se irritado e logo percebeu que ou agia rápido ou estavam feitos.

O homem, que todos os dias roncava à sombra da oliveira, surgia ao fundo da rua, levantando poeira com passos firmes e decididos.

Deram-se trinta segundos para recolher alguns frutos, antes de começar a correr, batendo com os pés no rabo. Numa questão de minutos, estavam num troço de estrada livre. Percorreram mais alguns metros e viraram à esquerda.

– Acho que ele nos reconheceu – declarou Larisa, quando conseguiu alcançar o irmão. – Não o ouviste chamar o teu nome?

Joaquim teria passado bem sem essa informação.

Foram seguindo pelo meio das árvores, não só em busca de sombra, mas também na tentativa de se camuflarem. Quando chegaram ao largo da igreja, esconderam-se atrás de um carro e ficaram observando a entrada da aldeia.

Felizmente, àquela hora, não se via ninguém na rua.

– Estou a morrer de calor – lamentou-se Larisa. – Porque é que não nos escondemos na igreja? Lá é fresquinho.

Entraram em silêncio e foram caminhando pela nave até junto do altar. Ficaram por ali, apreciando a fresquidão, que contrastava com os 38 graus que quase lhes torrara os miolos.

– Confessa e pede perdão. – A frase ressoou no interior do templo.

Viraram-se assustados, esperando ver o homem na igreja, mas não havia ninguém.

– Jesus, és tu que estás a falar comigo? – perguntou Larisa com ingenuidade, olhando a imagem que a fixava.

– És mesmo parva! Como se Jesus falasse – declarou Joaquim.

– Alguém falou. Tu também ouviste. Ora se não há aqui ninguém, quem pode ter sido?

Os irmãos olharam-se assustados, lembrando-se das histórias de almas penadas que se contavam na aldeia.

– Joaquim, estou à espera! – A voz fez-se ouvir de novo, num tom mais duro.

O miúdo tremeu. Imaginava-se já a ser agarrado por algum fantasma e arrastado até casa do pai, homem de poucas palavras e muitas ações.

Escondido atrás da porta da sacristia, o padre sorria e engrossando a voz, continuava a convidar os irmãos à confissão.

– Hoje à noite eu rezo, juro que rezo – murmurou Larisa, agarrando o braço do irmão.

Era evidente para o padre que aquela dupla havia feito alguma e agora estava com a consciência pesada. Pensou aparecer e acompanhá-los a casa, obrigando-os a revelar o que se esforçavam por ocultar, mas não teve tempo.

Leo irrompeu pela igreja, vermelho, não só de calor, mas sobretudo de raiva.

– Ladrões, seus ladrõezitos de meia tigela. Onde é que está a fruta? Onde?

Os miúdos, sem soltar palavra, mostraram os poucos alperces que tinham conseguido agarrar.

– Muito bem. Já que gostam assim tanto de fruta estão requisitados para ajudar na confeção das compotas. E não é só hoje, é até ao fim do mês. – Leo, sem aguardar réplica, pegou cada um por uma orelha e começou a percorrer a nave da igreja em direção à saída.

– Não se preocupem, crianças – disse o padre, enquanto caminhava na direção deles com a Bíblia na mão. – Deus é sempre justo.

Quita Miguel

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