quarta-feira, 6 de agosto de 2014


EM CONSTRUÇÃO

 
Sou um templo em construção, de alicerces profundos, enraizados em princípios que me sustentam através dos pilares erguidos em busca do caminho. Sou um ser que se fabrica.

A arquitetura tem-se transformado ao longo da vida, acomodando-se a cada estádio de evolução para suportar as diversas mudanças que o crescimento comporta.

Já tive paredes de betão, dando morada a incertezas e inseguranças. Camuflei-as com a folhagem, para ocultar o meu âmago, por simples timidez.

Tive paredes de vidro, mas fosco, para preservar o interior. Eram belas, brilhantes, permitindo abraçar a vastidão do mundo. Porém, um dia estilhaçaram-se sem pré-aviso, assim, bem de repente, como aquela chuva tropical que chega e logo passa.

Então, ergui paredes de tijolo, mas senti-me sufocar por elas. Recorri ao ar condicionado, contudo, nem assim consegui respirar melhor.

Um dia, por pura iluminação, decidi destruir as barreiras e derrubei as paredes, deixando os pilares à vista, expostos a todas as críticas e censuras. Tornei-me uma morada indefinida, sem entradas, nem saídas. Um vazio que se esvaía no ar.

Depois ergui muros de terra que pouco duraram. Uma daquelas torrentes que por vezes nos arrasa, veio sem se anunciar e deixou de novo os pilares desnudados, esventrando o que de mais íntimo escondiam.

Alturas houve em que o chão tremeu. Nesse momento, os alicerces pareceram frágeis, quebradiços, de construção delicada. No entanto, logo se recompuseram suportados por uma estrutura, que escondia em si toda a força do ser.

Ao longo deste percurso, o templo foi visitado inúmeras vezes.

Houve aqueles que chegaram, se instalaram e ali permanecerem esquecidos do tempo, embalados pela suave música que animava os corredores, pelo perfume que envolvia os quartos, pela luminosidade que brilhava em cada canto.

Outras visitas foram breves, mas não menos agradáveis. Essas, poucas marcas deixaram e algumas foram mesmo esquecidas.

As que permaneceram mais tempo na memória foram as que me desestruturaram, esburacando o chão, riscando as paredes, escancarando as portas. Foram duras as fases de reconstrução, mas necessárias, porque de cada uma saí mais forte, mais consciente, mais tolerante e mais serena.

Durante algum tempo, tentei alargar o meu espaço, construi anexos, elevei andares, mas estes revelaram-se apêndices sem sentido e virei-me de novo para o centro, o ponto onde tudo se inicia, onde a energia se forma para nutrir as diversas divisões.

Hoje, as minhas paredes não passam de tapumes frágeis, mas plácidos, tranquilizados pelo maior conhecimento do ser, pela certeza de um caminho eterno, pela convicção da inexistência de fim. Têm janelas de confiança, que abrem as portadas a cada amanhecer para deixar os raios de sol brilharem na essência do templo.

Não ambiciono mais ser aquele palácio de dois andares, paredes fortes, portas de aço. Gosto de ser a simples cabana colorida, que admira o mar a acariciar a areia e se deixa afagar pela brisa fresca, que sopra a cada entardecer.

Às vezes, vem uma leve chuva que me retira o pó e me faz brilhar com nova intensidade. Então, agradeço.

Continuo em construção, mas é uma construção interior feita de pequenos detalhes, que me decoram e embelezam o ser.

Quita Miguel

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