quarta-feira, 1 de abril de 2015


Dia e noite

Amo o dia e amo a noite, enquanto tu te perdes nessa tristeza que é já uma couraça. Olhas-me sem me compreenderes, e eu baixo o olhar incapaz de explicar que gosto da luz que me ilumina o caminho, mas também da escuridão que me faz repensar as escolhas feitas.

Acusas-me de viver numa mentira, mas ela é melhor do que a tua verdade, por isso, salto da cama, bem cedo, para apreciar o amanhecer de uma cidade fantasma, aquela onde ainda ninguém acordou e posso ouvir o dia despertar.

Queres saber o porquê do meu sorriso quando, à tarde, espreito pela janela, e respondo-te que é bom ver o entardecer da natureza, as aves que chilreando regressam às árvores, as flores que se curvam, o sol que adormece. Avanças um passo e pousas as mãos nos meus ombros, num gesto de posse, e então apercebes-te de que não te pertenço. Observamo-nos sem uma palavra, dando-nos conta de que eu não suporto a tua tristeza e tu não suportas a minha alegria. Sorris, um sorriso triste, e caminhas em direção à porta. Paras antes de sair, mas não te viras. Avanças até à entrada do jardim, mas não consegues dar o passo para te religares ao mundo. São demasiados os meses, encerrado sobre ti mesmo.

Esperas que a noite caia, te esconda o olhar infeliz, para regressares a casa e de novo mergulhares nesse modo de viver, que te desgasta, me desgasta, nos desgasta.

Na manhã seguinte, sem esperar que acordes, vou ver a cidade despertar, ansiando pelo dia em que compreendas o quanto é bom viver, seja de noite, seja de dia.

Quita Miguel

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